A Voz Muda dos Artistas Brasileiros!

Aprende a ficar calado

Tenho de fazer da frase a seguir, a primeira colocação desse artigo para não cometer injustiça: “Eu sei que tem artistas brasileiros que se posicionam e manifestam suas opiniões, mas tenho de escrever esse texto por conta do papel omisso ou submisso da maior parte dos membros dessa classe, na atualidade.”

Nasci durante a última década da ditadura militar (não a desejo de volta) e tive contato com o que tinha sido produzido na música brasileira antes de mim, bem como minha infância e parte da juventude tiveram como pano de fundo o surgimento da “geração 80’ do rock nacional”.

Desde os antigos festivais de música promovidos pela Rede Record (no fim da década de 1960), até os festivais da Rede Globo (da década de 1980), eu sempre observei que os artistas aproveitavam aqueles espaços para apresentar os seus trabalhos (é claro), mas que o conteúdo dessas obras mantinha relação com o que acontecia no governo, sociedade, economia e cultura brasileiras e mundiais.

E aqui faço um apêndice: Como pode a produção de uma época onde não existia a Internet, ser mais cosmopolita do que a atual?!

Hoje, os assuntos da maior parte das músicas brasileiras apenas envolvem 2 órgãos do ser humano, o coração (amor) e a genitália (sexo). Psicologicamente falando, também só abordam os mais instintos primitivos; o “eros” (vontade de prazer) e o “thanatos” (vontade de destruição). Ambos termos freudianos.

É claro todos temos vontade de sentir prazer e até de destruir algo. Por vezes, até mesmo sentimos prazer ao ver algo que não gostamos se ruir. Vale dizer que esse conceito de destruição pode ser metafórico ou literal. Um exemplo disso é ocorre quando um time rival ao seu joga com outro (do qual se é indiferente) e você acaba torcendo para a derrota do seu arquirrival. Nos casos que isso acontece, até se comemora!

Mas viver apenas para o minuto seguinte, desejando os simples prazeres e a “destruição” do que não se gosta, é praticamente viver como um primata (macaco). Desfazendo-se de toda a complexidade e compreensão que só a raça humana possui como a razão, inteligência, memória, afeto, arte, cultura, tradições, religião, linguagem e tudo mais.

No passado houveram manifestações contra a guitarra elétrica e um dos mais expoentes participantes dessa marcha (ocorrida na Avenida Paulista em São Paulo) foi Gilberto Gil, que logo após (na Tropicália) repensou sua posição e assimilou esse poderoso instrumento elétrico, norte-americano.

Os Mutantes criticavam a sociedade, seus costumes e valores enquanto os Secos & Molhados falavam do horror da bomba atômica de Hiroshima. Chico Buarque falava da pobreza do valor humano na música “Construção”, Milton Nascimento expunha dilemas da América do Sul em uma música destinada a John Lennon e Paul McCartney e Elis Regina ligava para Marte, dizendo aos marcianos o quanto o mundo terreno andava caótico.

Cazuza e o Barão Vermelho questionavam as ideologias, gritavam para o Brasil mostrar a sua cara, enquanto viam festas milionárias (para as quais não era convidado) onde ratos (políticos inescrupulosos) se divertiam em piscinas, sem qualquer preocupação com o povo. “Meu Deus, piedade!”

Lobão já criticava a chatice radiofônica das letras que só falavam de amor com seu “Blá, blá, blá – Eu te amo”, também alertando para a violência em “Vida Bandida”, enquanto levava uma vida bem louca. Legião Urbana perguntava de uma forma explosiva sobre “Que país é esse?” enquanto os Engenheiros do Hawaii alertavam sobre a demagogia dos políticos com a frase “eu presto atenção no que eles dizem, mas eles não dizem nada”.

Zé Ramalho fazia uma relação genial entre a vida quotidiana do povo com a dos rebanhos dirigidos na canção “Vida de Gado” e Alceu Valença fazia uma premonição cantada do que viria em “Papagaio do Futuro”. Gal Costa dizia abertamente que é preciso e fundamental ter opinião, enquanto Caetano Veloso andava por aí “Sem lenço, nem documento”.

O Ultraje a Rigor salientava o quanto “a gente somos inútil” (o que se confirma até hoje quando o assunto é eleição), os Titãs percebiam que “nem sempre se pode ser Deus”, o Ira! envelhecia na cidade enquanto o ícone da resistência contra o totalitarismo ainda permanecia a música de Geraldo Vandré – “Pra não dizer que não falei das flores”.

Chico Science percebeu que o de cima sobe e o debaixo desce e que é preciso se organizar para desorganizar (e vice-versa), Rita Lee batia o pé em ser a ovelha negra da família enquanto bailava comigo e a Blitz estava “A dois Passos do Paraíso”, porque a censura, “Ridícula”, lhe cortava o barato.

Raul Seixas sugeria uma “Sociedade Alternativa” enquanto refletia sobre os 10 mil anos da história da humanidade, propondo o aluguel do Brasil, mas não querendo ser prefeito (de jeito nenhum) para não ser assassinado.

Assim seguia a música popular brasileira, que “teve” tantos outros expoentes e momentos brilhantes, mas que veio perdendo a força, a irreverência e a verdade até que hoje se tornou muda. Não tendo voz para os assuntos mais pertinentes da vida do país e do povo. Poucos dos mais novos seguem esse caminho e dos atuais, quase nenhum. Lamentável…

Pensem: Se o recado que as músicas podem passar não fossem importantes e profundos, porque teriam sido tão censuradas?! O que está acontecendo conosco?!

Se você é um artista, pense no papel que tem diante de tudo que está acontecendo! Se você faz parte do público consumidor da arte (nesse caso, a música), escolha o melhor para escutar! Se você é um veículo de imprensa, atente que a fama não corresponde à qualidade e escolha bem para quem prefere dar espaço e o poder de comunicação. Se você é um veículo de mídia, por favor, coloque músicas boas na sua programação!

Por fim, quero dizer que não pude mencionar todos os bons artistas que merecem destaque, o que não foi possível devido à brevidade de um artigo de um artigo de jornal.

Novamente desejo a todos um ótimo, divertido, revigorante e muito musical final de semana!

#Feliz_Páscoa!

Veja a imagem da página publicada – JPG:

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1 comentário

    • Thomas Roth em 21 de abril de 2014 às 18:43
    • Responder

    Caro Nando,

    Só mesmo você pra escrever coisas que acabam me obrigando a tentar tecer teorias a propósito do assunto em questão.

    Não sou filósofo, sociólogo, antropólogo, professor, jornalista e, como alguém disse um dia: “só sei que nada sei”. Mas o tema é algo que me inquieta há muito tempo.

    Também sou de uma geração que ouvia no rádio, nas pickups e na TV, músicas que não falavam apenas de amor, mas de política, da humanidade, de religião e outros tantos temas polêmicos e importantes. Tempos muito ricos, de luta pelos direitos femininos, pela liberação sexual, de luta pela igualdade racial, pelo direito das minorias (gays, deficientes físicos, idosos, etc e etc e etc…).

    Muitas foram as bandeiras que se ergueram a partir dos anos anos 50, como reflexo do pós guerra e havia, em todo o mundo, um sopro liberalizante e revolucionário no ar. Apesar de lemas como “Flower Power” e “Peace and Love”, havia uma gigantesca ebulição nos movimentos estudantis, sindicalistas, e o mundo vivia intensa movimentação. Fosse em ditaduras como o Brasil, fosse em países democráticos como os EUA ou a França.

    O próprio “Flower Power” era, na verdade, a tradução ideológica do movimento hippie “anti guerra do Vietnã”. Ou seja, se pregava o amor, a paz, não pela alienação, pela indiferença que isso pudesse sinalizar, mas como uma rejeição, um posicionamento consciente, político. Da mesma forma como fez Martin Luther King, com sua cruzada de combate à desigualdade racial através da não violência. No início sua bandeira era apenas a igualdade racial. Após alguns poucos anos, ele acabou incluindo em seus discursos a pobreza e a própria Guerra do Vietnã.

    Mas as passeatas, os discursos, as gigantescas concentrações e manifestações eram pacíficas. Pregavam a paz!
    Tudo isso estava direta ou indiretamente traduzido nas músicas de Bob Dylan, Janis Joplin, Frank Zappa, e dezenas e dezenas de artistas de todo o mundo, inclusive brasileiros. O curioso é que, de uma forma ou de outra, mesmo aqueles que não tinham um discurso abertamente político como Beatles, Elvis, ou Roberto Carlos, acabaram tendo um papel super importante porque o debate estava inclusivo, uma vez que enquanto uns defendiam uma visão política de esquerda, ou um posicionamento mais radical, outros defendiam seu lugar mais ao centro, ou mesmo à direita, um ainda um “contra reação” em forma de amor, de paz, de entendimento. Mas era quase impossível a indiferença.

    As pessoas quase que se viam obrigadas a se posicionar. E os compositores, cantores, intérpretes eram porta vozes do “pensamento das ruas”. Muitos foram censurados, perseguidos por isso. Mas, a real é que as pessoas sabiam da sua responsabilidade. Uma parcela dos artistas sabia do seu importante papel conscientizador. E arriscava sua própria pele em tempos difíceis de patrulha ideológica e perseguição política.

    Hoje temos o quê? Temos a herança maldita de uma educação pobre, despreparada, inadequada, ineficiente, insuficiente, que vem desde os tempos da ditadura e que foi mantida por todos os govêrnos que de lá pra cá passaram por Brasília. Nada mudou na nossa educação de forma efetiva. Principalmente no que diz respeito ao conteúdo!

    Ou seja: o povo brasileiro, em sua imensa maioria, continua incapaz de ler uma notícia nos jornais ou nas revistas e entender o que está nas entrelinhas, ou mesmo o que não está sequer sugerido. Temos, isto sim, milhões de analfabetos funcionais e milhões de jovens que chegam às universidades sem sequer saberem falar ou escrever corretamente o português.

    Cujo preparo intelectual e cuja capacitação profissional é extremamente reduzida. Culpa dos jovens?Claro que não! só que um povo ignorante é muito mais fácil de ser manobrado, manipulado. Por isso não interessa a ninguém que as pessoas cresçam intelectualmente, culturalmente. E é por isso que cerveja e sexo é um discurso que faz sucesso imediato. É “mensagem direta”. Não tem “o quê entender”.

    Uma imensa parte das músicas que são produzidas hoje, reflete essa realidade vazia, pobre, sem perspectivas, “inculta e feia”. Na real, boa parte da juventude, tá mesmo “cagando e andando” e quer “que se foda”. Repito: não é culpa deles. Eles foram levados a pensar assim. Entretanto, há uma parcela do movimento hip hop, do rap, que fala! Que diz o que tem de ser dito! Que se posiciona, que reclama, que contesta, que reage.
    Mas eu não sou nostálgico, nem saudosista, nem, muito menos, pessimista. Sempre nascem flôres no pântano. Sempre surgem vozes que despertam as mentes e acho que estamos apenas vivendo uma fase transitória, de “purificação”.

    Acho que tem lugar e gosto pra tudo e pra todos. E, sempre tem gente, como Emicida, Criolo, Racionais MC’s, entre outros, que entendem que seu lugar no “ônibus da vida” não é apenas de passageiro, mas de condutor.
    É isso…

    Abs
    Thomas Roth

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