Brasil repete erro histórico no ensino musical escolar!

Brasil repete erro histórico no ensino musical escolar!

Muito se comemorou com a provação da nova LDB – Lei de Diretrizes e Bases no ano de 2010, na qual se instituía o ensino musical na grade curricular ordinário dos ciclos básico e fundamental.

No entanto, com sua entrada em vigor a partir de 2011 constatou-se duas coisas:

1ª) Que ela simplesmente “não pegou”, coisa que acontece com frequência no Brasil, como se fosse facultativo acatar uma legislação federal.

2ª) Aonde ela teve implantação, foi feita de forma precária e é sobre isso que tratarei abaixo.

Os motivos da precariedade foram três:

A falta de professores qualificados foi um enorme fator limitante num primeiro momento e a solução era clara: ou contratar músicos para lecionar essa matéria específica (a música) ou qualificar os professores da própria rede pública, ou até mesmo adotar as duas medidas. Entretanto, o que ocorreu foi a pequena realização de concursos públicos para a contratação de novos professores de música e a opção seguiu pela via da qualificação do professorado já existente. Porém, houve a impossibilidade de atender toda a demanda de professores que pretendiam tal especialização devido à falta de professores para ensinar os professores que deviam ensinar os alunos… Parece piada, né?!

O segundo fator limitante foi a falta de salas preparadas para o ensino musical, que obviamente produz “barulho” (música) e sem o isolamento acústico para que as aulas musicais não atrapalhassem o ensino das outras matérias, muitas escolas não puderam implantar adequadamente essa matéria.

O terceiro fator foi o financeiro, que além de impedir a construção ou reforma de salas apropriadas ao ensino musical, também limitou especialização numerosa de professores. O que aumentou as duas limitações anteriores, mas que também agrega os casos específicos da falta de aquisição de instrumentos musicais melhores e mais diversos, ocasionando somente a compra de instrumentos de percussão e/ou a opção pelo ensino do canto coral.

O que tem de errado com a percussão e com o canto coral? Ambas as opções se baseiam na economia ou falta de recursos. O canto é instrumento fisiológico do próprio ser humano (a voz) e não é preciso adquirir instrumentos ou equipamentos porque a maior parte dessa aulas são ministradas à capela.

O caso dos instrumentos de percussão, é por conta de seus valores mais baixos do que os dos instrumentos mais complexos. Lembrem-se que estamos falando de priorizar a economia ou de simplesmente não ter os recursos para a adoção completa de um ensino musical. Portanto, os instrumentos de percussão aqui citados são àqueles usuais às  fanfarras ou ao samba. Nesses formatos de aulas, acabaremos apenas por melhorar os desfiles de 7 de setembro e nada mais…

Um discurso muito usado para justificar o exclusivo ensino da percussão nas escolas é o da herança cultural africana que o Brasil possui em seu DNA, mas fazendo uma analogia com os USA (país vizinho do continente americano, praticamente da mesma idade que o nosso e com a mesma história de colonização europeia com o uso da escravidão de africanos), é possível verificar que a herança musical e cultural não está no uso de determinados instrumentos. Na verdade ela está na “forma de usá-los”, onde a riqueza rítmica afro descendente é confundida com o simples uso de instrumentos de percussão!

É simples de verificar: Como o Brasil nunca teve uma colonização de povoamento e nossa história foi do simples extrativismo e exploração, não houve a trazida de instrumentos mais elaborados; como o piano e vários outros de comum utilização nas orquestras sinfônicas e filarmônicas (todos de origem europeia).

E como nossos colonizadores só tiravam as coisas daqui e não traziam quase nada para cá, o que deu para fazer foram os tambores (assemelhados aos africanos), que foi saída para se produzir música no Brasil. Os únicos instrumentos mais complexos, comuns em nossa história são os de cordas, como o violão, viola, bandolim, cavaquinho e de teclas, o acordeom; todos de origem espanhola ou portuguesa (países próximos territorialmente e culturalmente).

Desta forma, os afrodescendentes brasileiros levaram ao limite os tambores, enquanto os afrodescendentes norte-americanos levaram ao limite o trompete (Miles Davis), o saxofone (John Coltrane), o violão (Robert Johnson), a guitarra (Jimi Hendrix), o contrabaixo (Charles Mingus), o piano (Ray Charles), a bateria (Dennis Chambers) e por aí afora.

Eestou dizendo que não temos o talento dos músicos norte-americanos?! É claro que não! Estou dizendo que eles puderam se despontar em diferentes instrumentos e estilos musicais porque tiveram acesso (puseram as mãos) em vários tipos de instrumentos e tiveram maior contato com a riqueza musical europeia, a miscigenando com a cultura africana e fazendo brotar uma diversidade inerente e proporcional à pluralidade dos recursos que tinham à disposição!

E ainda tem o fato de termos diversas outras matrizes culturais advindas das inúmeras imigrações que nosso país recebeu ao longo de sua história. Basta verificarmos a existência de enormes colônias como a italiana, árabe, alemã, japonesa e é claro, a portuguesa. O Brasil é um amálgama multicultural e multinacional, nossa tônica é a diferença e a pluralidade!

Vejam: O movimento modernista brasileiro, representado pela emblemática ”Semana de Arte Moderna de 1922” já reconhecia a necessidade dos artistas brasileiros se apropriarem do conhecimento e estudo das técnicas e teorias artísticas da academia europeia, para que pudessem produzir a arte brasileira com maior destreza e aperfeiçoamento.

A esse ato de estudar e acumular o conhecimento acadêmico elaborado e consagrado pela tradição cultural mundial e tê-lo como instrumento e recurso disponível para a produção de sua própria arte, dá-se o nome de “movimento antropofágico”, onde o homem ingere a cultura humana, para regurgita-la à sua maneira.

Ficar nos repetindo redundantemente no que já somos os melhores (na percussão) é não reconhecer o que já foi percebido, publicado e consagrado em 1922, há 92 anos atrás, pelos maiores mestres da arte e da cultura que o Brasil já produziu!

Não precisamos de “mais do mesmo”, temos que sair da mesmice e angariar repertório, técnica e teorias para produzir uma arte melhor, assim como temos de formar um público capaz de perceber e consumir (preferir) as sutilezas que diferenciam as obras primas do lixo cultural musical em que vivemos!

Temos de sair dessa deficiência histórica que o Brasil adquiriu de sua colonização de exploração e posteriormente da falta de gestões patrióticas e nos libertar desses grilhões do passado, para alcançar outros patamares superiores!

Mais uma vez me despeço desejando a todos um ótimo, divertido, revigorante e muito musical final de semana!

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