Músicas de Cristal

Nas favelas, no Senado, sujeira pra todo lado.

Ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro da nação.

No Amazonas, no Araguaia iá, iá… Na Baixada Fluminense, Mato Grosso, Minas Gerais e no Nordeste tudo em paz.

Na morte eu descanso, mas o sangue anda solto manchando os papéis, documentos fiéis ao descanso do patrão.

As duas estrofes acima são da música “Que País É Esse?”, composta pelo saudoso Renato Russo, líder e vocalista da banda Legião Urbana. Essa canção foi lançada em 1987 e parece que serve perfeitamente para os dias atuais, não é?!

Eu presto atenção no que eles dizem, mas eles não dizem nada (Yeah, yeah)…

Essa é a primeira frase da música “Toda Forma de Poder”, lançada no álbum “Alívio Imediato” pela banda Engenheiros do Hawaii em 1989 e, também parece muito com a realidade atual, não é mesmo?! Principalmente se observarmos o que os candidatos dizem nos debates, que parecem mais um teatro onde eles encenam papéis que nenhuma relação têm com seus comportamentos da vida real.

A solução pro nosso povo eu vou dar. Negócio bom assim ninguém nunca viu. Tá tudo pronto aqui é só vim pegar. A solução é alugar o Brasil!

Os estrangeiros eu sei que eles vão gostar. Tem o Atlântico tem vista pro mar. A Amazônia é o jardim do quintal e o dólar dele paga o nosso mingau!

Acima outros dois parágrafos que replicam outra música profética sobre o cenário político brasileiro! Elas são a 1ª e a 2ª estrofes da música “Aluga-se”, composto por Raul Seixas e lançada em 1980, ainda antes das duas citadas anteriormente! De forma irônica ela obviamente se refere à incompetência dos políticos nacionais e à imutabilidade do quadro em que o país passava, sugerindo ao povo que imigrasse e que deixasse a competência estrangeira administrar o Brasil.

Dizem que o Rock andou errando. Não valia nada, alienado… E eu aqui na maior das inocências. O que fazer da minha santa inteligência? Será que esse é o meu pecado, porque: Errou, errou, errou, errou! Eu sei que o rock errou!

Essa é a primeira parte da música “O Rock Errou”, lançada pelo Lobão em 1986 e já se referia à perda da qualidade das letras das músicas, que vinham se empobrecendo e se distanciando de todos os assuntos para se focar apenas nos relacionamentos amorosos, o que é obviamente um ponto importante da vida, mas que não é o único tema da existência humana.

Na década seguinte haveria o estouro do Axé e do Sertanejo moderno que realmente manteriam somente o amor como pauta das letras. Esse fenômeno do romantismo musical é expresso com “Evidências” no estrondoso sucesso daquela época, “É o Amor”, da dupla Zezé di Camargo e Luciano.

E daí pra frente fica muito difícil pegar alguma letra que fale do país, da sociedade, humanidade, política, mundo, fome, pobreza, guerra, paz, ciência, universo, futebol, estrada, escolhas, vida, caminho, viagens, paisagens, inutilidade (Ultraje), ideologia (Cazuza), alegria, existência, do planeta Terra, lua, sol, água, fogo, ETs… E de qualquer outra coisa que não seja o amor, sexo, saudade, traição e da coordenação de movimentos: abaixa, levanta, senta, rebola, pra lá e pra cá, pula, tira o pé do chão. Eu até brinco que essas músicas parecem aulas de aeróbica! (risos)

Mas voltando ao início desse texto e focando nas músicas cujas letras foram citadas aqui, digo que naquela época têm muitas outras obras fantásticas de muitos artistas e bandas fabulosas e que, portanto, sou réu confesso em não citar todas porque não há tanto espaço em um texto de jornal, de forma que apenas pincei uma pequena fração com a finalidade de ilustrar esse artigo.

E o que parece ficar claro é o quanto a cultura empobreceu, o quanto o país não solucionou os seus problemas e o quanto aqueles artistas eram inteligentes e viam e anteviam tudo o que estavam passando e o que estava por vir. Até pareciam ter bolas de cristal em suas escrivaninhas, enquanto compunham todos aqueles versos! Por isso, “Músicas de Cristal”! Valiosas e que prediziam o futuro!

Dessa forma, manifesto a minha vontade em fazer esse ciclo vicioso do infortúnio brasileiro cessar. Também saliento que gostaria de ver outra forte efervescência cultural e musical voltar e aproveito para dizer que essa eleição é um dos raros momentos em que podemos indicar direções melhores para seguir. Então acho que não devemos perder essa oportunidade e faço votos que essa votação nos traga bons frutos!

Novamente me despeço desejando a todos um ótimo, divertido, revigorante, musical e cívico final de semana!

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