Brasil, o país das boas músicas moribundas!

Não gosto de ser pessimista, mas na verdade o momento é péssimo e não dá para enfeitar um pavão depenado.

Com o surgimento da Internet e a falência da maior parte das gravadoras; posto que num primeiro momento não se vendia mais discos e fitas porque eram tidos como obsoletos e ninguém comprava mais CDs porque era possível baixar quase todas as músicas de forma gratuita pela web, a indústria da música ficou órfã de um dos seus principais provedores financeiros.

Inicialmente esse buraco aberto no mercado do show business foi comemorado pelos amantes da arte dos sons, porque finalmente podiam ouvir de tudo gratuitamente e também porque seria possível que uma quantidade expressiva de artistas exporia seus trabalhos de uma maneira tão sonhada, podendo atingir o grande público a custos ínfimos.

Mas o primeiro impacto dessa transformação foi diferente do previsto e o que a maioria absoluta dos ouvintes baixou via Internet, foram as discografias de suas bandas preferidas, que em geral eram os grandes clássicos consagrados. E a maior parte da leva de artistas que pretendia colocar seus trabalhos à disposição da enorme massa libertária de ouvintes ficou à margem, simplesmente porque as pessoas não os conheciam previamente e sem saber como procura-los, não os encontravam.

Assim um dos mais importantes pilares do show business havia caído, mas outros ainda perduravam. Porém já havia outro alicerce bastante abalado e esse que capengava era o dos estúdios de gravação, dos técnicos e engenheiros de som e, dos produtores musicais.

Ocorre que a mesma tecnologia digital (a informática) que havia derrubado as gravadoras, também fez frente aos grandes estúdios de gravação, popularizando e aumentando o acesso a quem quisesse gravar, mas prejudicando a qualidade obtida nas gravações feitas nos estúdios domésticos, que não alcançava as profissionais por uma série de motivos. Além da plataforma que grava o som, que tinha deixado de ser as fitas de rolo, DATs e ADATs e que agora eram os acessíveis computadores, também eram necessários diversos equipamentos e instrumentos de grande qualidade e alto custo, somado à expertise dos profissionais necessários para operar com esses sistemas complexos.

A consequência disso foi uma diminuição na qualidade de grande parte das gravações e o áudio das músicas não era mais nivelado por cima, mas por baixo. A não ser para àqueles artistas que tinham recursos financeiros para continuar gravando nos grandes estúdios.

Outro dos pilares do show business é a mídia e essa se molda muito rapidamente. Ela simplesmente segue os indicadores de popularidade do IBOPE e, se para manter ou aumentar sua audiência for preciso veicular merda, bosta, cocô, titica, estrume ou fezes, em geral essas empresas de comunicação fazem isso sem dó, nem piedade e sem nenhuma crise de consciência e de consistência. Um fenômeno interessante que ocorreu foi a instituição formal do jabá, espécie de suborno dado pra flexibilizar o crivo dos membros dos departamentos artísticas e fazê-los veicular músicas de qualidade duvidosa nas programações. Na época das gravadoras isso era praticado, porém tido como antiético, mas os departamentos artísticos não existem mais e essa função foi comummente acumulada pelos departamentos comerciais, sendo que agora esses valores para que as músicas sejam tocadas passou a ser cobrado diretamente dos músicos (pessoas físicas), financeiramente muito menos robustos do que os grandes selos.

Mas ainda restavam os shows, mais um dos alicerces que também sofreu transformações profundas com a alteração de todo esse contexto. Sem o crivo e a produção profissional das gravadoras, com os áudios ruins das músicas e com a divulgação contaminada da mídia, além do desfalque financeiro de muitos artistas que tinham uma pequena participação nas vendas dos seus álbuns, os shows também saíram machucados dessas transformações.

Por um lado esse novo ambiente profissional fez com que a maior fonte de renda dos artistas fossem os shows e isso inicialmente aqueceu esse nicho do show business, mas em um segundo momento ocorreu um efeito colateral, porque a precária qualidade das produções artísticas acabou encontrando a precariedade cultural do público e cerca de uma década depois do início de todo esse processo os artistas com melhor produção intelectual acabaram por ficar abrigados em órgãos públicos ou do terceiro setor, voltados ao fomento cultural, o que resultou em um certo fenômeno clientelista, que é percebido como uma espécie de máfia por muitos músicos.

Inclusive existe uma piada interna que circula entre os músicos e produtores, que dizem que os “editais” de convocação para que os trabalhos musicais sejam apresentados a muitas dessas instituições, na verdade deveriam se chamar “é de tal”. Porque são sempre os mesmos que se revezam nas realizações dos shows, então ficaria sendo “é de tal” produtor ou artista. Um jogo de cartas marcadas!

E com o grande público consumindo avidamente a merda que a mídia jogava nos ventiladores diariamente, os estádios e grandes casas de shows e de espetáculo acabaram por se tornar recintos abrigadores das piores músicas, amplificando com os melhores equipamentos o pior da cultural para o maior número de pessoas.

Em síntese; vendo, ouvindo e vivenciando inúmeros lançamentos aclamados pela crítica e diversos deles premiadíssimos, posso assegurar que o melhor da produção musical do Brasil nasce moribunda e morre rapidamente nos tempos atuais. Só não digo que são abortadas porque elas são fecundadas e criadas com carinho e dedicação, são gestadas, lapidadas e gravados com capricho nos mais diversos estúdios de gravação e depois nascem nas plataformas digitais ou físicas para colherem o pouco ou o quase nada.

Imagino como os historiadores do futuro verão a produção musical e cultural brasileira daqui há 100 ou 200 anos… Eles vão fazer um levantamento dos artistas mais importantes (leia-se: famosos). Verificarão as obras deles e vão se deparar com letras que redundam na estéril música genital do funk, as instruções de movimentos corporais do axé (levanta, agacha, pra lá, pra cá, tira o pé do chão…) somada à paranoia cornífera do sertanejo, enquanto os melhores produtos musicais do Brasil estarão encobertos por toda essa lama cultural.

O melhor da música brasileira não está sendo consumido pela maior parte das pessoas da atualidade.

Estamos desperdiçando tempo, talento e energia.

Isso é lamentável…

Que todos tenham um ótimo final de semana!

Link permanente para este artigo: http://www.nandopires.com.br/blog/?p=4983

Deixe um comentário

Seu e-mail não será publicado.

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.